quinta-feira, 9 de maio de 2024

Brad Silberling - “Sonhos Desfeitos” / “Moonlight Mile”


Brad Silberling
“Sonhos Desfeitos” / “Moonlight Mile”
(EUA – 2002) – (120 min. / Cor)
Dustin Hoffman, Susan Saradon, Jake Gyllenhaal, Ellen Pompea, Helen Hunter.

Muitas vezes nos interrogamos de como é feito o cinema norte-americano nos dias de hoje e a resposta está precisamente em “Sonhos Desfeitos” / “Moonlight Mile”, onde um elenco sólido constituído por actores, com provas mais que dadas, se “oferecem” para integrar um elenco em que o argumento é o elemento chave do filme. Nele, as imagens que nos são dadas numa leitura do trabalho dos sentimentos entram em choque com a vontade interior de cada um dos protagonistas. Todos tinham um futuro radioso e o casal Floss (Dustin Hoffman e Susan Sarandon) recebia feliz o jovem que iria casar com a sua filha, mas o assassínio desta nas vésperas da tão desejada cerimónia irá transformar por completo as suas vidas, embora o fim da relação até tivesse chegado primeiro, do que as balas do assassino e esse era o segredo de Joe Nast (Jake Gyllenhaal).


“Sonhos Desfeitos” é um filme de Brad Silberling, que investiu muito da sua própria vida nesta película e dizemos isto porque, tal como sucede no filme, a actriz Rebecca Schaeffer, namorada do cineasta, foi vitima dessa mesma violência que se abateu sobre a filha do casal Joss e tal como eles o cineasta viu o seu mundo ficar em estilhaços. A actriz que começava a dar nas vistas foi assaltada no seu apartamento por um louco, que primeiro a ameaçou com uma pistola e depois lhe pediu um autógrafo, ela pensou que tudo iria ficar bem, mas este decidiu baleá-la no estômago e ela faleceu à porta de sua casa em Hollywood. O assaltante fugiu depois para a "freeway" de L.A. em busca da morte, mas acabou por ser preso.


“Moonlight Mile” trata precisamente do luto que atinge uma família cuja perda de uma filha de forma violenta é um acto irreparável, cujas marcas ficam para sempre na memória. Só que no caso de “Sonhos Desfeitos”, ficamos a saber que na véspera do casamento ela decide acabar com a relação que mantinha com o namorado e, ao morrer, esse segredo parte com ela. Joe passa então a ser encarado pelos "sogros" como o elemento que irá preencher a ausência da filha. Todos os planos estabelecidos por eles irão continuar de pé e Joe Nast passará a representar o "filho adoptivo", porque ele tem todas as condições para preencher esse lugar vago deixado na vida, pela filha assassinada. Assim o casal Joss decide oferecer a Joe Nast o destino que tinham traçado para ele, nada será alterado.


Estamos perante um trabalho de luto que o realizador já nos tinha oferecido de certa forma com a sua obra anterior “A Cidade dos Anjos” / “City of Angels”, “remake” americano do célebre filme de Wim Wenders, "As Asas do Desejo" / "Der Himmel Uber Berlin", podendo até ser encarada a forma delicada como o cineasta trabalha o conceito de morte e a vida para além dela, uma das suas características, como já sucedia com “Casper”, outra película sua (destinada ao público juvenil, mas não só), demonstrando como esse tema está bem presente nos seus filmes.


Brad Silberling iniciou-se na televisão como muitos outros cineastas da sua geração, assinando episódios de séries como “L.A. Law”, “NYPD Blue” ou a série/”remake” de “Alfred Hitchcock’s Present”, depois foi a passagem ao grande écran e “Sonhos Desfeitos” / “Moonlight Mile” acaba por ser o último tomo de uma trilogia onde a morte é o elemento fulcral.


Embora um pouco distante de obras como o fabuloso “Vidas Privadas” / “In the Bedroom” de Todd Field ou “O Quarto do Filho” / “La stanza del figlio” de Nanni Moretti, este “Sonhos Desfeitos” oferece-nos a tragédia de uns pais que perderam a filha de forma violenta, vendo no futuro genro o substituto perfeito para as suas vidas não naufragarem na tragédia que os assolou. Só que Joe Nast (Jake Gyllenhaal) irá encontrar em Bertie (Ellen Pompeo, a célebre vedeta da série “Anatomia de Grey”), a funcionária dos correios, a sua alma gémea, descobrindo nela a rapariga certa para o ajudar a fugir daquele território de luto, porque a sua consciência não consegue vencer a batalha que trava com o cinismo. Repare-se como no início do filme julgamos estar perante os preparativos de um casamento, quando se trata de um funeral, depois descobrimos a forma silenciosa como Joe aceita o futuro traçado pelo sogro, até ao momento em que descobre que só a fuga poderá alterar o seu destino naquela pequena cidade.


“Sonhos Desfeitos” é uma das provas de como o cinema americano possui no seu interior obras cuja visibilidade é urgente, se Jake Gyllenhaal é hoje em dia um nome bem conhecido do grande público, deveremos também descobrir a obra de Brad Silberling para sabermos como respira o cinema "Made in USA".

Rui Luís Lima

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