sábado, 27 de abril de 2024

Krzysztof Kieslowski - “Três Cores : Vermelho” / “Trois Couleurs : Rouge”


Krzysztof Kieslowski
“Três Cores : Vermelho” / “Trois Couleurs : Rouge”
(França/Polónia/Suiça – 1994) – (99 min. / Cor)
Irène Jacob, Jean-Louis Trintignant, Fréderique Feder, Jean-Pierre Lorit.

Ao realizar esta película, o cineasta polaco Krzysztof Kieslowski conclui de forma exemplar a sua trilogia tendo por base as cores da bandeira francesa, representando a cor vermelha a fraternidade. Mais uma vez Kieslowski, com “Três Cores: Vermelho” / “Trois Couleurs: Rouge”, nos oferece uma obra sobre a condição humana, ao contar-nos a história de Valentine (Irène Jacob), uma jovem modelo, que um dia encontra um cão ferido na rua e após ver na coleira a morada do dono, decide entregar o cão ao seu proprietário. Irá então conhecer um Juiz (Jean-Louis Trintignant) solitário e já reformado, por sinal nada simpático e bastante cínico, que possui como passatempo espiar os vizinhos, chegando a fazer telefonemas ameaçadores.


À medida que vamos acompanhando o relacionamento entre estas duas pessoas, já que a jovem Valentine desperta uma certa curiosidade no cínico juiz, iremos conhecer a história deste tenebroso ser e então perceberemos que essa mesma história terá traços comuns com um jovem estudante de direito, Karin (Fréderique Feder) que por diversas vezes ao longo da película irá percorrer os mesmos caminhos trilhados pela jovem Valentine, desconhecendo que um dia ambos se irão encontrar no ferry que irá naufragar, sendo dois dos seis sobreviventes do desastre, sendo os outros quatro, os protagonistas dos dois filmes anteriores da célebre trilogia de Kieslowski.


Ao longo de “Três Cores: Vermelho” / “Trois Couleurs: Rouge”, iremos perceber como é insustentável a leveza do ser e à medida que vamos acompanhando a história dos três protagonistas, somos obrigados a rever neles a nossa própria experiência, em que o fruto do acaso termina tantas vezes por mudar o nosso quotidiano, alterando de forma profunda a nossa visão do pequeno mundo em que nos movimentamos.


Krzysztof Kieslowski fecha assim de forma soberba, com o tema da fraternidade, a sua fabulosa trilogia sobre a condição sentimental do universo contemporâneo.


Após a conclusão da película, o realizador retirou-se da actividade cinematográfica, vindo a falecer três anos depois, no entanto a obra cinematográfica que nos deixou permanece bem viva no meio de nós.

Rui Luís Lima

John Bailey - “Lua Cheia” / “China Moon”


John Bailey
“Lua Cheia” / “China Moon”
(EUA – 1994) – (99 min. / Cor)
Ed Harris, Madeleine Stowe, Charles Dance, Benicio del Toro.

John Bailey é muito mais conhecido como director de fotografia do que como cineasta, sendo “Lua Cheia” / “China Moon” a sua segunda película. Bailey estreou-se na realização com a comédia “The Search for Signs of Inteligent Life in the Universe”, um verdadeiro festival Lily Tomlin. A sua carreira como director de fotografia é longa e vasta, sendo Lawrence Kasdan e Paul Schrader dois dos cineastas que o convidam com regularidade para trabalhar nos seus filmes. Por outro lado John Bailey tem oferecido também o seu contributo em áreas especificamente técnicas como quando, em 2006, foi criada a lente Anamorfic Wide-Angle Zoom, que ficaria conhecida na gíria como “Bailey Zoom”.


Nesta sua segunda película, John Bailey incide a sua atenção sobre a memória do “film noir”, oferecendo o papel da famosa “femme fatale” a essa actriz espantosa chamada Madeleine Stowe, que por razões que a própria razão desconhece nunca conseguiu saltar para essa primeira divisão das “moviestars”, apesar do seu enorme talento e beleza. Apostando a localização da acção na Florida, John Bailey por duas vezes nos faz recordar essa obra-prima de Lawrence Kasdan intitulada “Noites Escaldantes” / “Body Heat”, quando vemos pela primeira vez Rachel Munro (Madeleine Stowe) sentada no bar, com um vestido branco, oferecendo-nos uma figura muito próxima da primeira aparição de Kathleen Turner na película de Kasdan, para numa outra sequência em que vimos a mesma Rachel com o detective Kyle Bodine (Ed Harris), à porta da casa do banqueiro Rupert Munro (Charles Dance), também nos fazer recordar “Body Heat”, só faltam ali os célebres espanta-espíritos.


“Lua Cheia” surge assim como um mergulho no território do “film noir”, com a habitual dupla de detectives: Kyle Bodine, o veterano (Ed Harris) e Lamar Dickey, o aprendiz (Benicio del Toro). E logo nas primeiras sequências percebemos que estamos perante dois solitários de gerações diferentes, que levam com empenho o seu dever. Kyle possui aquele olhar de falcão, oferecido por muitos anos de experiência, enquanto Lamar comete diversos erros, devido ás avaliações precipitadas que faz das situações com que se deparam no dia a dia.


Na noite em que Kyle Bodine se cruza com a bela e fatal Rachel Munro, o seu universo irá desmoronar-se como um castelo de cartas e todas as suas certezas se irão transformar em dúvidas. Mas antes disso suceder a sua solidão irá ser substituída pelo amor que começa a sentir por Rachel, essa mulher casada com o banqueiro Rupert Munro (Charles Dance), que a maltrata e atraiçoa com as mulheres que encontra.


Kyle irá descobrir por sua conta e risco esse território movediço do amor e guardar para sempre na sua memória a noite de lua cheia, em que mergulha com ela no lago, numa das mais belas e ternas sequências do filme, criada com mão de mestre por John Bailey. Esse mesmo lago que irá mudar para sempre a vida de ambos, porque as regras do jogo estão profundamente viciadas, como iremos descobrir ao longo da película.


“China Moon” surge assim como um eficiente “thriller”, que se vê com agrado e que nos oferece interpretações de primeira água deste quarteto de actores, que nos tem oferecido sempre o seu melhor ao longo das suas já longas carreiras no cinema. Por sua vez, John Bailey leva a bom porto esta sua segunda viagem como realizador.

Rui Luís Lima

Wong Kar-Wai - “Chungking Express” / “Chong Qing Sem Lin”


Wong Kar-Wai
“Chungking Express” / “Chong Qing Sem Lin”
(Hong-Kong – 1994) – (97 min. / Cor)
Brigitte Lin, Tony Leung, Faye Wong, Chiu Wal.

“Chungking Express” foi o primeiro filme de Wong Kar-Wai a ter distribuição comercial em Portugal e todos os espectadores que viram na época a película no cinema King, em Lisboa, ficaram de imediato fascinados pela fotografia do australiano Christopher Doyle, que nos oferece um universo repleto de cores e néons, ao mesmo tempo que manipula a câmara como ninguém, a uma velocidade verdadeiramente vertiginosa.


Ao optar por nos narrar duas histórias no mesmo filme, o cineasta Wong Kar-Wai, nome que a partir de então todos iremos fixar, oferece-nos como protagonistas dois polícias, o primeiro que perdeu a namorada e decide encontrar uma nova mulher antes de terminar o prazo de validade de uma lata de ananás, e que acabará por se cruzar com uma dealer, em busca da mercadoria extraviada, e o segundo um polícia de giro que desperta a atenção de uma jovem, de uma beleza estonteante, que decide segui-lo, descobrindo onde ele mora, para mais tarde se introduzir no seu apartamento para assumir o papel de uma secreta empregada doméstica, que lhe arruma e decora a casa.


Estamos assim perante duas histórias “policiais” bem subversivas do género, convidando-nos o cineasta a entrar nesse seu universo tão característico, em que o amor surge como o fio condutor da película, numa Hong-Kong repleta de luz e de sonhos, onde o surpreendente argumento é acompanhado pelo tema musical “American Dreamin” dos Mamas and the Papas, que surge como um verdadeiro protagonista, à medida que vai pontuando a acção e a intriga da película.


Se ainda não conhece a obra sempre deslumbrante de Wong Kar-Wai, “Chungking Express” é na realidade um excelente cartão de visita do cineasta.

Rui Luís Lima

Peter Jackson - "Amizade Sem Limites" / "Heavenly Creatures"


Peter Jackson
"Amizade Sem Limites" / "Heavenly Creatures"
(Grã-Bretanha/Alemanha/Nova-Zelândia – 1994) – (99 min. / Cor)
Kate Winslet, Melanie Lynskey, Sarah Peirse, Diana Kent, Clive Merrison.

Alguns anos antes de Peter Jackson adquirir a celebridade mundial através de “O Senhor dos Anéis” / “Lord of the Rings”, construiu com a sua esposa e colaboradora, Frances Walsh, um argumento baseado num facto verídico, o assassinato perpetrado por duas jovens, ocorrido em 1952 na Nova Zelândia. Convém referir que a vítima seria a mãe de uma das adolescentes, que mantinha uma relação pouco habitual para a época, com uma amiga de origens sociais bem diferentes.


“Amizade Sem Limites” / “Heavenly Creatures” conta-nos a história de Juliet (Kate Winslet) nascida numa família abastada que mantém uma estranha relação com a literatura e que um dia irá conhecer a sua alma gémea na colega Pauline (Melanie Lynskey), cujos pais pouca atenção lhe dedicam, refugiando-se na leitura e nos sonhos tornando-os realidade, ao mesmo tempo que desenvolve um profundo afecto por Juliet, que lhe corresponde da mesma maneira, terminando por arquitectarem a morte da mãe de Juliet, que se opunha à amizade que despontava entre as duas raparigas.


A forma como Peter Jackson nos relata esta história, em que a fantasia dá lugar a uma dura realidade, na qual a transgressão é olhada de forma suspeita, reflecte de forma perfeita a época em que se desenrola este drama, onde o desejo transgressor se liberta das amarras sociais, terminando por ser condenado pelo olhar familiar que tudo faz para impedir a relação entre Juliet e Pauline.


A forma como Peter Jackson nos oferece o reino de sonho habitado pelas duas jovens, nascido da sua imaginação fértil, em oposição à sociedade dessa época, surge de forma brilhante e transgressora.


Se apenas conhece a obra de Peter Jackson após a feitura de “O Senhor dos Anéis” / "Lord of the Rings", descobrir “Amizade Sem Limites” / "Heavenly Creatures" é uma bela surpresa, porque aqui nasceu essa actriz genial chamada Kate Winslet.

Rui Luís Lima

Lawrence Kasdan - "Wyatt Earp"


Lawrence Kasdan
"Wyatt Earp"
(EUA – 1994) – (191 min. / Cor)
Kevin Costner, Dennis Quaid, Gene Hackman, Mark Harmon, Michael Madsen.

O sucesso de Kevin Costner com “Dança com Lobos”/”Dance With Wolfes” e a forma como “Silverado” tinha sido recebido pelo público e a crítica especializada, levou Kevin Costner e Lawrence Kasdan a juntarem forças e regressarem ao “western”, tão esquecido que ele estava, retomando o mito de Wyatt Earp e o célebre duelo de OK.Curral, tão bem retratado por John Ford.


Ao (re)vermos “Wyatt Earp” poderemos dizer que Lawrence Kasdan conseguiu o seu objectivo, embora a marca de Kevin Costner, como realizador ande por lá, no entanto a personagem mais fascinante da película é o irreconhecível Dennis Quaid, na figura de Doc Holiday.


Comparando “Wyatt Earp” com “Silverado”, somos obrigados a reconhecer a frescura do primeiro “western” de Lawrence Kasdan, perante um certo classicismo forçado ao retratar a história do célebre xerife do Oeste Americano.


Curiosamente, Kevin Costner, ao realizar “Open Range”, esconde-se atrás da personagem que interpreta, ao mesmo tempo que dá relevo aos “westerns” de Anthony Mann, que surgem homenageados de uma forma bela e serena, embora o seu anti-herói, sempre interpretado por James Stewart, não tenha em “Open Range” um sucessor.


”Wyatt Earp” de Lawrence Kasdan é um daqueles “westerns” contemporâneos, que merecem uma segunda visão, a fim de elaborarmos esse belo exercício de comparação com as películas dirigidas e interpretadas por Clint Eastwood, esse eterno jovem cineasta, que deu corpo e vida a um género cinematográfico que nas últimas décadas parecia ter os dias contados.

Rui Luís Lima

André Téchiné - "Os Juncos Silvestres" / "Les Roseaux Sauvages"


André Téchiné
"Os Juncos Silvestres" / "Les Roseaux Sauvages"
(França – 1994) – (110 min. / Cor)
Elodie Bouchez, Gael Morel, Stéphane Rideau, Fréderic Gorny.

André Téchiné, embora não pertença à geração da “nouvelle vague” que ofereceu novos mundos ao cinema francês, tem construído ao longo dos anos uma obra onde a marca de autor é bem patente e, quando realizou em 1994 a película “Os Juncos Silvestres” / “Les Roseaux Sauvages”, o seu cinema era já por demais bem conhecido de todos.


Situando a acção do filme no ano de 1962 e no sul da França, nessa época em que a Guerra de Argel abria grandes feridas na nação francesa, Téchiné decide contar-nos a história de três jovens adolescentes, uma rapariga e dois rapazes, nesse preciso momento em que a adolescência explode com as inevitáveis paixões, sendo uma delas subterrânea.


Apostando nas contradições dos sentimentos, André Téchiné envolve “Os Juncos Silvestres” / “Les Roseaux Sauvages” num ambiente verdadeiramente bucólico, onde o desejo possui o terreno propício a se desenvolver, veja-se aliás como nos é oferecida essa ida até ao rio, onde a luminosidade e o saber do cineasta invadem a paisagem e os corpos, oferecendo-nos uma verdadeira elegia ao amor e à natureza.


Mais uma vez, André Téchiné oferece-nos uma película bem pessoal, apostando em intérpretes sem “curriculum” transformando-os, na época, em profundas revelações nessa arte difícil da interpretação cinematográfica enquanto por outro lado, ao optar por uma visão naturalista, o cineasta consegue enquadrar com harmonia o conflito que então se vivia, a guerra de Argel, no interior do quotidiano francês, em particular esse território onde despontam as paixões adolescentes, que tão bem retrata nesta película.


“Os Juncos Silvestres” / “Les Roseaux Sauvages”, nesse ano de 1994, irá ser galardoado com os Césars para Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Argumento e Revelação Feminina (Elodie Bouchez).

Rui Luís Lima

Quentin Tarantino - "Pulp Fiction"


Quentin Tarantino
"Pulp Fiction"
(EUA – 1994) – (154 min. / Cor)
John Travolta, Tim Roth, Samuel L. Jackson, Bruce Willis, Uma Thurma, Ving Rhames.

“Pulp Fiction” proporcionou a John Travolta um segundo fôlego na sua carreira de actor, que até então andava um pouco perdida, ao mesmo tempo que Quentin Tarantino se tornava um cineasta de culto, após as boas indicações dadas com “Cães Danados”.


Partindo de um argumento bastante complexo de Roger Avery e do próprio Quentin Tarantino, que receberiam o Oscar de Hollywood, mergulhamos logo no início num conjunto de memórias que nos enviam para o “film noir”, reciclado de forma visceral e violenta, repleto de alusões cinematográficas e onde o calão e as referências sexuais se revelam de forma aberta, cativando as plateias mais novas que viram na película o seu filme de culto.


Ao longo de “Pulp Fiction”, com uma montagem circular e temporal, repleta de avanços e recuos, iremos descobrir as diversas personagens que vivem nas margens do sistema, embora algumas delas em busca de redenção.

A dupla de gangsters constituída por Vincent Vega (John Travolta) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) é memorável, não só pelos seus diálogos mas também pelo seu comportamento ao longo da película, a que não falta o célebre e fortuito acidente, nunca visto até então.


Por outro lado a violência existente na película revela-se subsidiária dos filmes de gangsters de Hong-Kong e da série-B norte-americana (ou melhor de B a Z), que Tarantino tão bem conhece e admira.
“Pulp Fiction” possui no seu interior todas as marcas que tornam o cinema de Quentin Tarantino, cinema de autor.

Rui Luís Lima

Glenn Gordon Caron - "O Amor da Minha Vida" / "Love Affair"


Glenn Gordon Caron
"O Amor da Minha Vida" / "Love Affair"
(EUA - 1994) - (108 min./Cor)
Warren Beatty, Annette Bening, Katherine Hepburn.

Quando Leo McCarey realizou “Love Affair” / “Ele e Ela” em 1939, nunca pensou que mais de uma década depois iria ele mesmo fazer o “remake” desta película que teve como protagonistas Charles Boyer e Irene Dunne, convém desde já referir que o facto de em 1957 Leo McCarey refazer a história através de “An Affair to Remember” / “O Grande Amor da Minha Vida” não é inédito, recorde-se que Alfred Hitchcock fez o mesmo com “O Homem Que Sabia Demais” / “The Man Who Knew Too Much”, em que temos a versão inglesa com Leslie Banks e Edna Best nos protagonistas e na americana, a mais célebre, encontramos James Stewart e Doris Day. Mas regressemos à história de Mike Gambril (Warren Beatty) e Terry McKay (Annette Bening) em “Love Affair”, sem antes deixar de referir que este projecto foi uma prenda de Warren à sua mulher Annette, como devem estar recordados os actores encontraram-se no set de “Bugsy” realizado por Barry Levinson, a paixão invadiu as suas almas e o mais famoso “playboy” de Hollywood rendeu-se aos encantos de Annette Bening, tornando-se num dos casais mais mediáticos do mundo do cinema.


Um dos aspectos mais curiosos deste “O Amor da Minha Vida” é encontrarmos as imagens que vemos surgir na TV (relatando o mais recente “affair” do ex-jogador de futebol americano Mike Gambril) se reportarem aos diversos romances que Warren Beatty teve precisamente na vida, devidamente mediatizados pela imprensa sensacionalista. Vamos assim encontrá-lo a embarcar para Sidney com o seu inefável agente (Garry Shandling) a levá-lo ao aeroporto e de imediato nos apercebemos que o esquecimento do relógio de Mike na mesa de montagem possui um outro significado.


A viagem para Sidney apresenta-se enfadonha até ao momento em que trava conhecimento com o casal Stillman (interpretado pelo cineasta Paul Mazursky e a esquecida actriz Brenda Vaccaro) e desta forma consegue meter conversa com Terry McKay (Annette Bening). No entanto, devido ao mau tempo que se faz sentir, o avião tem uma avaria e é obrigado a aterrar num atol, terminando os passageiros por serem recolhidos por um navio e regressar mais tarde de avião a New York.


Durante este período iremos conhecer a vida de Mike e Terry e perceberemos que eles habitam universos bem diferentes mas pouco distantes, já que se ele vive no” conforto” de Lynn Weaver (Kate Capshaw – mulher de Steven Spielberg) uma poderosa produtora de televisão, já ela é a companheira de Ken Allen (Pierce Brosnan), um poderoso homem de negócios de Wall Street.


Ao longo da viagem Mike terá que se ver livre do habitual “paparrazzi” de serviço, ao mesmo tempo que aproveitando uma paragem do navio leva Terry a conhecer a sua tia Ginny (Katherine Hepburn, no seu último trabalho no cinema) e aqui temos a passagem de testemunho de Katherine Hepburn para Annette Bening, já que como todos sabemos Annette Bening é uma verdadeira herdeira dessa grande actriz chamada Katherine Hepburn, em tempos idos considerada pelos produtores como um “veneno de bilheteira”. Será ainda de referir que toda a sequência passada na ilha entre Annette Bening e Katherine Hepburn foi dirigida por Warren Beatty.


Nasce então esse grande amor entre Terry e Mike, sendo marcado encontro para daí a três meses no alto de “Empire State Building” e depois já todos sabemos a história, essa história que tantas lágrimas fez correr na América e que leva Meg Ryan em “A Sintonia do Amor” a consumir tantos lenços de papel sempre que vê o filme de Leo McCarey.


“Love Affair”, versão de 1994, surge assim como a “gift” de Warren Beatty para Annette Bening, num primeiro plano, mas depois à medida que o argumento vai sendo desenvolvido encontramos o amor pelas personagens, repare-se na conversa no convés do barco, a chuva que cai e a dança que surge e por fim esse momento mágico nos últimos vinte minutos da película, com os actores a deixarem de interpretar as suas personagens para oferecerem um ao outro a mais bela declaração de amor.


"Love Affair" / “O Amor da Minha Vida” surgiu no território do melodrama, nos anos noventa (século passado), como um verdadeiro “outsider”, envolvido por uma das mais belas partituras de Ennio Morricone, que dedica um dos temas, precisamente, aos dois protagonistas: Warren Beatty e Annette Bening.

Rui Luís Lima

Christopher Manaul - “Fatherland”


Christopher Manaul
“Fatherland”
(EUA - 1994) – (106 mi,/Cor – P/B)
Rutger Hauer, Miranda Richardson, Peter Vaughan, Jean Marsh.

Certamente alguns leram o famoso romance de Robert Harris intitulado “Fatherland”, que já teve edição entre nós, um desses livros de história alternativa, que parte de uma premissa bem interessante para o desenvolvimento desta intriga histórica/policial.


A invasão da Normandia por parte dos aliados foi um fracasso, a América vira-se para o Japão que é derrotado e abandona a Europa às forças do Eixo, Churchil exila-se no Canadá e a Europa intitulada a “Grande Germânia” é governada por Hitler, reina a “paz” excepto numas zonas longínquas e isoladas da União Soviética, onde a guerrilha insiste em sobreviver.


O presidente americano chama-se Kennedy (o sénior) e nos 75 anos de Hitler, as portas de Berlin abrem-se para o receber. Nas vésperas da sua chegada, misteriosos assassinatos começam a ocorrer de forma bem estranha, sendo o alvo figuras outrora importante do Partido Nacional-Socialista durante a Segunda Grande Guerra. Um oficial das SS Xavier March (Rutger Hauer) irá tratar do caso, ao mesmo tempo que uma jornalista norte-americana Charlie Maguire (Miranda Richardson) é abordada por um estranho que lhe pretende passar documentos muito importantes em troca de um visto para a América. Entretanto as mortes prosseguem, mas quem são e o que fizeram estes homens em Wannsee!


Se o livro de Robert Harris é fabuloso, este telefilme de Christopher Manaul não lhe fica atrás, porque ele é simplesmente genial em todos os aspectos, tendo na época da sua feitura sido lançado no mercado de vídeo. “Fatherland” de Christopher Manaul / Robert Harris, bem merecem ser redescobertos: o filme e o livro, para que a História não se perca na poeira do tempo!

Rui Luís Lima

John Dahl - “A Última Sedução” / “The Last Seduction”


John Dahl
“A Última Sedução” / “The Last Seduction”
(EUA – 1994) – (110 min. / Cor)
Linda Fiorentino, Peter Berg, Bill Pullman, J. T. Walsh.

John Dahl deu nas vistas quando realizou “Delito em Red Rock West” / “Red Rock West”, a história de um homem que apenas pretende um emprego numa "little town" e se vê envolvido numa trama de enganos, quando é confundido com um assassino contratado e que tudo fará para o evitar, incluindo denunciando a situação à polícia local, para descobrir que foi o próprio xerife (J. T. Walsh), que contratou o assassino (Dennis Hopper), para matar a sua própria mulher.


A razão desta sinopse prende-se pelo facto de John Dahl gostar de ambientar os seus filmes nas “little town”, oferecendo-nos de forma perfeita o microcosmos de uma América profunda, por vezes muito desconhecida de todos nós. E será isso mesmo que fará no seu filme seguinte intitulado “A Última Sedução” / “The Last Seduction”, onde nos oferece o retrato de uma “Femme Fatale”, que nos irá cativar ao longo da película. A escolhida para a protagonista foi Linda Fiorentino que, como devem estar recordados, descobrimos todos nesse filme nocturno de Martin Scorsese “After Hours”, então de cabelo curtinho na figura da escultora. Mas aqui ela é uma mulher impiedosa, que gosta de manipular o marido (Bill Pullman), nunca olhando a meios para atingir os seus fins, porque ela simplesmente adora dinheiro.


Logo no início do filme, ao vermos a forma como ela controla os vendedores que se encontram debaixo da sua alçada percebemos como ela é vil e feroz, arrastando uma perigosa sensualidade no interior do seu corpo. E após o marido ter feito um negócio com uns "dealers", que lhe rende uma quantia de 700.000 dollars, ela não resiste a fugir com o dinheiro.


Deixa assim em fuga a grande cidade e vai estrada fora, terminando por parar numa povoação longe de tudo e de todos e, mal entra no bar da pequena povoação, de imediato desperta as atenções dos presentes, mas será o inocente Mike Swale (Peter Berg, cuja carreira se estendeu depois à realização e argumento), a cair nas suas “boas graças”, que irá ser manipulado a seu prazer, porque de certa forma irá tornar-se seu escravo sexual, depois de ela decidir permanecer na pequena povoação, arranjando de imediato emprego (na empresa onde Mike trabalha), para assim começar a delinear o seu plano perfeito.
Clay Gregory, o marido (Bill Pullman), que é vítima da perseguição de um agiota, decide contratar um detective para a encontrar e reaver o dinheiro mas ela, a mulher fatal, irá saber lidar com a situação quando é localizada. E aqui John Dahl oferece-nos um retrato perfeito da América profunda. Lentamente Mike vai ficando refém nas mãos de Bridget Gregory (Linda Fiorentino), desconhecendo a existência do dinheiro ilícito. Ela decide então saber mais sobre o passado do seu amante divorciado, que poucos dias depois de se casar pedira o divórcio e regressara à povoação que o vira crescer.


Na verdade Mike possui um enorme “esqueleto no armário”, sexualmente falando e quando Bridget lhe conta o que sabe do seu passado, ele simplesmente fica aterrorizado e ela então decide fazer chantagem com ele, “convidando-o” a liquidar o marido.


Swale (Peter Berg) sabe que a divulgação do seu segredo lhe irá arruinar a vida e decidi aceitar a proposta mas, ao chegar a casa de Clay Gregory, tudo lhe sai mal e termina a ser confrontado pelo marido. No entanto Bridget Gregory, a perfeita “Femme Fatale”, tem um plano alternativo e decide agir por sua conta e risco.


Linda Fiorentino possui aqui a sua melhor interpretação de sempre e com a sua voz rouca e sensual e sem complexos, constrói uma personagem que nos deixa perfeitamente, atónitos. Por outro lado John Dahl cria um “suspense” que nos agarra até ao último minuto do filme, porque estamos sempre a ser surpreendidos pelo desenrolar do argumento. Aliás por sinal muito bem carpinteirado, dando sempre uma atenção muito especial aos pormenores, que retratam a localidade onde se passa parte da acção, basta ver a forma como ele nos mostra o racismo subterrâneo que vive nos habitantes daquela cidade, ao verem a cor do detective que segue Bridget.


“A Última Sedução” surge assim como uma obra plena de erotismo e suspense, possuidora de um olhar perfeito sobre a América profunda e onde a direcção de actores é na verdade de primeira água, sendo sempre de destacar o desempenho de Linda Fiorentino, porque na verdade nunca poderemos imaginar este filme com outra actriz.

Rui Luís Lima