terça-feira, 23 de abril de 2024

Stephen Frears - “O Puto” / “The Snapper”


Stephen Frears
“O Puto” / “The Snapper”
(Inglaterra/Irlanda – 1993) – (95 min. / Cor)
Colm Meaney, Tina Kellegher, Ruth McCabe,
Pat Laffan, Brendan Gleeson.

Stephen Frears é um daqueles cineastas que nos dias de hoje não necessita de grandes apresentações, o seu nome é bem conhecido de todos, tanto na Europa como no Novo Mundo, dividindo a sua actividade pelos dois continentes. E se em Inglaterra continua a fazer filmes de baixo orçamento, nos Estados Unidos ele navega no interior da Indústria como peixe na água.


Este cineasta começou a sua actividade a trabalhar com Lindsay Anderson (um dos fundadores do “Free Cinema”), no Royal Court Theatre. Como muitos dos seus colegas de geração, foi na BBC que Stephen Frears fez toda a sua aprendizagem. No início de setenta teve o seu baptismo de fogo com a série “The Grattan’s War”, tendo assinado a primeira obra para o grande écran com “Gumshoe” em 1971.


Quando surgiu essa película espantosa intitulada “My Beautiful Laudrette” / “A Minha Bela Lavandaria”, que revelou esse grande actor que se chama Daniel Day Lewis, que recentemente anunciou a sua retirada do grande écran, todos lhe fixaram o nome e de imediato foi requisitado pela Indústria, nascendo assim naturalmente obras como "Dangerous Liaison" / “Ligações Perigosas”, "The Grifthers" / “Anatomia do Golpe”, "Hero" / "Herói Acidental" ou "Maty Reilly", mas ele não se deixou cair nas suas malhas, continuando a assinar filmes bastante pessoais, como é o caso concreto de “O Puto” / “The Snapper”, baseado num conto de Roddy Doyle que também é o responsável pelo argumento. Recorde-se que Roddy Doyle é o argumentista dos filmes “The Commitments” e “The Van”, realizados por Alan Parker e Stephen Frears, respectivamente. E não há ninguém como ele para retratar o quotidiano irlandês e as vidas que se cruzam entre a casa e o Pub, nessas pequenas localidades em que todos se conhecem.


“O Puto” / “The Snapper” conta-nos a história da família Curley, o pai (Colm Meaney) trabalha na construção civil e a mãe é doméstica, já que tem para cuidar “apenas” seis filhos. E se o filho mais velho está na tropa, a cumprir uma das muitas missões internacionais que há por esse mundo fora, já a filha mais velha Sharon divide o seu tempo entre o supermercado onde trabalha e as noites passadas no “Pub” local em companhia das amigas, enquanto o pai está sempre numa outra mesa a beber as suas “Guinness” com os amigos. Até aqui poderemos dizer que este é um retrato perfeito do quotidiano, mas o pior estava para vir e veio quando um dia de manhã Sharon (Tina Kellegher) confessa aos pais que está grávida. Como não podia deixar de ser, é o pandemónio (que me seja perdoada a expressão), mas o pior ainda estava mesmo para vir (perdoem-me a repetição). Porque quando os pais querem saber o nome do rapaz que a engravidou, estala o caos por ela se recusar a dizer o nome, pretendendo ser uma mãe solteira.


Entramos assim pela porta grande no interior desta comédia realista, que nos oferece um retrato do quotidiano bem dentro da tradição do cinema britânico de que tanto os ingleses se orgulham. Iremos assim acompanhar o percurso da gravidez de Sharon que continua a beber incontrolavelmente no “Pub”, ao mesmo tempo que os pais se preocupam com a opinião dos vizinhos, quando já é impossível esconder a gravidez da filha. Mas quando um dia se descobre que o pai da criança é George Burgess (Pat Laffan) o vizinho da frente, cuja filha é a melhor amiga de Sharon é o escândalo que se instaura. Tudo se tinha passado numa das muitas noites de festa em que a bebida corria como as águas de um rio e os excessos iriam ter muito maus resultados. Se Sharon se vê impedida quase de sair de casa, já que é sempre apontada por toda a comunidade como exemplo a não seguir, por outro lado George Burgess abandona o lar e começa a perseguir Sharon pretendendo casar com ela.


Roddy Doyle e Stephen Frears oferecem-nos o retrato perfeito do quotidiano, agarrando-nos do primeiro ao último minuto, captando todos esses momentos de dúvidas e anseios de uma família, que termina por se unir em torno da filha e da criança que vai nascer, ao mesmo tempo que cria um verdadeiro retrato sociológico de uma comunidade.


O sucesso de “O Puto” / “The Snapper”, realizado para a televisão, foi de tal ordem, que terminou a ser distribuído pelas salas de cinema em todo o mundo, chegando até Portugal e quando hoje revemos a obra em dvd, continuamos a sentir o pulsar daquela típica família irlandesa que um dia viu “o lar vir abaixo”. Esta película de pequeno orçamento é uma lição de como é possível fazer filmes de qualidade intrínseca, que cativam os espectadores e obtém sucesso. Se desejarem saber a receita completa vejam esta comédia realista e divirtam-se.

Rui Luís Lima

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