sexta-feira, 26 de abril de 2024

Nanni Moretti - “Querido Diário” / “Caro Diário"


Nanni Moretti
“Querido Diário” / “Caro Diário"
(Itália/França – 1994) – (100 min. / cor)
Nanni Moretti, Giovanna Bozzolo, Sebastiano Nardone, Antonio Petrocelli.

Nanni Moretti desde que surgiu nos écrans tem-se destacado por uma intervenção na primeira pessoa, surgindo tanto à frente como por detrás da câmara, partilhando confissões e dúvidas sobre os caminhos percorridos pela sociedade contemporânea em geral e pela sua Itália em particular, revelando um humor muito acima da média, ao mesmo tempo que nos faz recordar os grandes Mestres da Comédia Italiana, que nos anos setenta do séc.xx, invadiram os écrans de todo o mundo, usando o humor como crítica social.


“Em Querido Diário” / “Caro Diário” iremos descobrir Nanni Moretti no primeiro segmento a percorrer as ruas de Roma na sua vespa, com o seu inconfundível capacete branco, ao mesmo tempo que nos vai contando as suas memórias da cidade, na companhia do célebre piano de Keith Jarrett (The Koln Concert), que vai pontuando de forma perfeita a viagem do cineasta, até chegar a essa praia onde Pier Paolo Pasolini foi assassinado.


Já no segundo segmento do filme vamos encontrá-lo na companhia de uma amigo em busca de um lugar solitário onde possam usufruir da paixão da leitura, longe desse terror dos tempos modernos chamado televisão e em especial essas célebres novelas que captam a atenção de um povo, que vive quotidianamente pendente das paixões e dramas dos intervenientes, vivendo cada momento como se tratasse de uma realidade invasora das suas vidas. E no ferryboat rumo a essas ilhas paradisíacas e sossegadas que convidam à reflexão, iremos perceber como a acção da televisão irá contagiar o seu companheiro de viagem, que fica perfeitamente vidrado e dependente dos dramas que se desenrolam no pequeno écran, ao mesmo tempo que Nanni Moretti nos oferece um humor corrosivo das situações que acompanhamos, transformando-as numa crítica feroz e acutilante ao panorama actual do audiovisual em Itália, mas também em outros países da Europa. Como sucede no nosso pequeno Portugal.


A terminar “Querido Diário” / “Caro Diario”, iremos acompanhar a luta de Nanni Moretti com a doença, desde esse preciso momento em que lhe foi diagnosticado um cancro, revelando este episódio final, um saber único na forma comedida como nos é narrada a história.


Se muitos cineastas usam a câmara como um diário íntimo e não transmissível, já Nanni Moretti em “Querido Diário” / “Caro Diário”, expõe-se de forma sincera, demonstrando uma profunda honestidade e frontalidade, na forma como nos dá a conhecer a sua visão pessoal do universo que o rodeia. Conseguindo elaborar uma obra verdadeiramente inesquecível, eliminando as barreiras que separam a ficção do documentário, ao mesmo tempo que transforma “Querido Diário” / “Caro Diário”, na película mais pessoal de toda a sua filmografia.

Rui Luís Lima

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