sexta-feira, 26 de abril de 2024

Mike Figgis - “Morrer em Las Vegas” / “Leaving Las Vegas”


Mike Figgis
“Morrer em Las Vegas” / “Leaving Las Vegas”
(EUA/França – 1995) – (111 min. / Cor)
Nicolas Cage, Elizabeth Shue, Julian Sands, Richard Lewis, Valeria Golino.

Alguns ainda se recordam dessa cerimónia dos Óscares em que Nicolas Cage recebeu o Oscar para melhor actor, dando saltos no palco com a estatueta na mão e gritando: “agora sou um dos vossos!!!”. O sobrinho de Francis Ford Coppola, que não usa o apelido do clã, tinha atingido o ponto mais alto na carreira de actor. Para trás ficavam os tempos de “Rumble Fish”, em que alguns de nós duvidávamos do seu talento.


Mike Figgis, um músico que trocou a sua profissão pelo cinema, oferece-nos um dos seus melhores filmes de sempre. Para trás ficavam obras como “Infernal Affairs” e “Mr. Jones”, duas películas excelentes que é urgente rever. A primeira, um duelo sobre a corrupção na polícia travado entre Richard Gere e Andy Garcia (1990) (na época fixámos o nome do cineasta) e depois esse profundo drama chamado “Mr. Jones”, uma das melhores interpretações de Mr. Gere, ao lado da Bergmaniana actriz Lena Olin. Por outro lado o cineasta, sempre experimental, em 2000 apresentou a obra "Time Code", cuja acção se passa em tempo real, surgindo o écran dividido em quatro partes, cada uma delas acompanhando a história dos diversos protagonistas.


Mas regressemos a Las Vegas, essa cidade das luzes idealizada por Bugsy Siegel, um sonho que custou a morte ao gangster e não só. Se o leitor estiver nas montanhas rochosas, como nos sucedeu e decidir ir até Las Vegas, o caminho é sempre a descer, são milhas atrás de milhas e quase ficámos sem gasolina no Chevy. Ao nos aproximarmos da cidade, de imediato vamos deparando com os diversos locais de divertimento, jogo e prazer, numa soma explosiva e a melhor forma de entrar na cidade é decididamente de madrugada, iluminados pelas luzes de néon, ao som dos casinos. Ben Sanderson (Nicolas Cage), na sua viagem para Las Vegas, tinha um destino traçado, ao contrário do nosso, porque Las Vegas iria assistir ao lento apagar da chama da sua vida. Para ele o passado estava enterrado e o futuro nunca iria nascer, porque o presente só o poderia conduzir a essa morte tão desejada e sofrida. Despedido do emprego, abandonado pela mulher e filho, esquecido pelos amigos, só lhe restava morrer. Da mesma forma que em “O Gosto da Cereja” / "Ta'm e guilass" de Abbas Kiarostami desconhecemos os motivos que levam o protagonista a procurar a morte/suicídio. Aqui pouco interessa o passado de Ben, apenas sabemos que o álcool é o meio para chegar ao fim traçado e debaixo dessa população que se arrasta nas ruas em busca do divertimento, ele apenas procura a morte, acabando por se cruzar com uma das muitas raparigas que fazem da noite a sua profissão, o seu modo de sobrevivência, nesse Estado (Nevada) em que a prostituição é uma actividade legal, ms com algumas regras.


Las Vegas é também a cidade das Convenções, depois do trabalho vamos ao divertimento e será dessa forma que iremos conhecer Sera (Elizabeth Shue), uma profissional brilhante no ramo, habitando os bares dos Casinos, repare-se na sua expressão “ao meter conversa” com o homem que se encontra ao seu lado no bar, “veio para a Convenção?”, sendo de imediato repelida pelo cavalheiro que só estava ali para beber um copo, até chegar esse momento em que repara em Ben, que irá marcar para sempre o seu destino. Nicolas Cage não é aqui o anjo caído na terra por amor, como sucedia em “A Cidade dos Anjos” / "City of Angels", ele é um simples farrapo humano, bebendo copo atrás de copo, em busca da morte, trocando rapidamente o copo pela garrafa, quase não comendo, enquanto essa morte, tão bem personificada por Ingmar Bergman em “O Sétimo Selo”, tarda a chegar.


A profissão de Sera também tem os seus riscos e iremos ter a prova disso mesmo quando ela, julgando ir ganhar uma excelente quantia com um grupo de adolescentes, acaba por ser violada e brutalmente agredida, regressando a casa num estado sofredor. Mas será o seu encontro com o alcoólico Ben que lhe irá oferecer uma esperança de mudar de vida, esperança essa perdida rapidamente quando se apercebe das suas intenções suicidas. A união daquelas duas almas não irá durar muito, como nos apercebemos, mas ela insiste em acompanhá-lo nessa “via-sacra”, amando cada vez mais o alcoólico Ben. Expulsa do condomínio onde vive, decide permanecer com ele, até ao último minuto.


Vamos assim assistir a uma degradação humana através do álcool nunca vista no cinema, retratada com um realismo acima de qualquer suspeita e sem melodramas nas entre linhas. Ali não há lugar para isso, é tudo demasiado cru para haver uma réstia de esperança, e embora ela com a passagem do tempo se aperceba disso, nunca o irá abandonar, mesmo quando o encontra na cama com uma colega de profissão.


Mike Figgis oferece-nos, ao longo do filme, uma Las Vegas nocturna onde por debaixo da luz brilhante do néon, navegam dois seres em busca da perdição (Ben) e salvação (Sera). O primeiro irá encontrar o destino tão desejado, enquanto a segunda estará ao seu lado até ao último momento, nunca o abandonando, como se fosse o seu anjo da guarda, para depois regressar à mais antiga profissão do mundo.


A interpretação de ambos está muito acima do habitual e se Nicolas Cage viu brilhar a sua estrela para sempre, já Elizabeth Shue, com o passar dos anos, viu a sua luz ficar cada vez mais pálida. Recorde-se que o argumento se baseia no livro de John O’Brien e, de certa forma, retrata a experiência do escritor, que aliás se suicidou durante a rodagem do filme.


“Morrer em Las Vegas” é o retrato violento de um homem perdido na vida, que busca na bebida a forma mais simples de morrer, transformando-se num verdadeiro farrapo humano, tendo sempre a seu lado esse anjo que o ampara nos momentos difíceis, embora ela saiba que o destino de ambos está traçado à muito. Aqui não há lugar a milagres nem happy-endings, apenas há cinema da mais alta qualidade!!!
PS – "Morrer em Las Vegas" / "Leaving Las Vegas" possui em dvd um director's cut, que merece ser descoberto.

Rui Luís Lima

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