sexta-feira, 12 de abril de 2024

Martin Scorsese - “Nova Iorque Fora de Horas” / “After Hours”


Martin Scorsese
“Nova Iorque Fora de Horas” / “After Hours”
(EUA - 1985) – (96 min. / Cor)
Griffin Dunne, Rosanna Arquette,
Linda Fiorentino, Teru Garr, John Heard.

Uma dúvida nasce quando se escreve acerca de Nova Iorque: como estabelecer a grafia do "outro planeta"? Nova Iorque/New York é um outro território, no interior da América e do mundo, e cada vez mais esse sentimento se estabelece nos habitantes da Big Apple. Com ou sem torres gémeas, elas fazem parte do nosso imaginário, através da célebre foto de Manhattan, "olhada" do outro lado do rio Hudson.
Martin Scorsese que foi um dos pupilos desse Mestre, já esquecido, chamado Roger Corman (basta recordar o maravilhoso "Uma Mulher da Rua" / "Boxcar Bertha" de Scorsese), decidiu em “After Hours” invadir Nova Iorque, por apenas uma noite, simplesmente perturbante, para o seu herói Paul (Griffin Dunne) (1), (sobre)vivendo nas ruas do Soho, com enorme dificudade.


E se a noite americana foi também retratada por outro "movie-brats", chamado John Landis, em "Pela Noite Dentro" / "Into the Night", já aqui abordado, Martin Scorsese optou pelo período violento e purificador de uma única noite, para o seu herói kafkiano.

Paul (Griffin Dunne) vive mais um dia monótono no seu emprego, ensinando a um colega as "regras básicas da informática", mas este não está nada interessado, porque sonha tornar-se editor de sucesso, revelando novos escritores ao mundo. O dia acaba e a noite começa, uma noite como todas as outras, que leva Paul a um restaurante acompanhado pelo livro "Trópico de Câncer" do Henry Miller (o Miller amante de Brenda Vénus).


Sozinho, tal como vive, Paul repara em Mercy (Rossana Arquette) também ela só, e o olhar transporta as palavras, nascendo o encontro tão desejado. Mas tudo termina quando Mercy se despede, depois de terem trocado números de telefone, sendo esse meio de comunicação, que restabelece o contacto de Mercy com Paul nessa mesma noite, anulando a solidão que os persegue.

O nosso herói parte para o apartamento de Kiki (Linda Fiorentino... de cabelo curtinho!) ao encontro de Mercy, numa corrida de "Yellow Cab" memorável, para já não falarmos na música que a acompanha.
A noite nasce e Paul descobre os seus habitantes, num território que nunca foi o seu, invadido por paixões e desejos de um outro espaço.


O regresso de uma viagem, quando ela é delirante, perigosa e apaixonante, torna-se uma verdadeira "missão impossível" e são essas contrariedades, somadas ao descobrimento de uma outra vida, que conduzem Paul ao longo de uma noite, partilhada com Mercy, Kiki, mais o namorado da primeira e os amigos "pouco recomendáveis" da segunda.

O pesadelo kafkiano de Paul, acaba por o conduzir salvo, quase por milagre, ao seu local de trabalho, ao nascer o dia, retomando o monótono frenesim do quotidiano, ao som de J. S. Bach, como Martin Scorsese e a sua câmara exprimem maravilhosamente.


Ao receber o prémio para a melhor realização em Cannes por “After Hours”, Martin Scorsese obteve a recompensa pelo seu excelente trabalho nesta película de baixo orçamento", filiando-se no interior de um género, o "cinema indie", embora a memória de "Os Cavaleiros do Asfalto" / "Mean Street" ou dessa obra-prima que é "Taxi Driver" esteja também presente nas suas margens, através da forma única como o cineasta olha a noite.

"Nova Iorque Fora de Horas" / “After Hours” é uma das películas de Martin Scorsese que merece ser estudada atentamente, em conjunto com "Life Lessons" (2), episódio de "Histórias de Nova Iorque" / "Life Lessons", onde sentimos o pulsar da Big Apple.


(1) – Mais tarde produtor, mas também cineasta, como muitos se devem recordar do divertido "Viciados no Amor" / “Addicted To Love”, com a Meg Ryan.

(2) - Nunca é demais recordar que Martin Scorsese não estava indicado para dirigir um dos episódios de "New York Stories", ele foi uma espécie de recurso dos produtores, depois de Steven Spielberg ter abandonado o projecto, tornando-se o seu episódio "Life Lessons"/"Lições da Vida", o mais amado dos três filmes, aqui por casa.

Rui Luís Lima

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