sexta-feira, 12 de abril de 2024

John Huston - “A Honra dos Padrinhos” / “Prizzi’s Honor”


John Huston
“A Honra dos Padrinhos” / “Prizzi’s Honor”
(EUA - 1985) - (130 min. / Cor)
Jack Nicholson, Kathleen Turner, Anjelica Huston, Robert Loggia.

Quando se fala em John Huston, os cinéfilos mais empedernidos referem de imediato “The Maltese Falcon” / “Relíquia Macabra”, não só pelo facto de ele ser, de certa forma, a pedrada no charco do “film noir”, com Humphrey Bogart e Peter Lorre; mas quando me falam em John Huston, o filme que me vem à memória é de imediato é “Gente de Dublin”, baseado no conto de James Joyce “The Dead” e incluído precisamente no seu livro de contos “Gente de Dublin”, nunca é demais referir que John Huston sempre desejou adaptar Joyce ao Cinema e foi numa cadeira de rodas, com a garrafa de oxigénio ao lado, que o grande cineasta termina a sua derradeira obra, um verdadeiro testamento cinematográfico, recordemos que foi um dos seus filhos que filmou as sequências finais da película.


Mas quando se fala em John Huston, há outro filme ainda que guardo no coração. Refiro-me a essa obra de Malcolm Lowry, (in)adaptável ao cinema, intitulada “Debaixo do Vulcão” / ”Under the Volcano”, com um Albert Finney à beira do abismo e uma Jacqueline Bissett, linda, numa interpretação memorável. Depois temos essa obra incontornável, testemunho da arte de representar de três nomes incontornáveis da Setima Arte, evidentemente estou a referir-me ao filme “Os Inadaptados” / ”The Misfits” e desse trio admirável composto por Clark Gable, Marilyn Monroe e Montgomery Clift, num preto e branco soberbo!!! Mas também há “A Rainha Africana”/ ”The African Queen”, um dos favoritos aqui de casa, com um duelo de gigantes entre Humphrey Bogart e Katherine Hepburn.


Embora não seja nossa intenção viajar pelo cinema de John Huston, não podemos deixar de referir mais alguns dos nossos filmes favoritos, como por exemplo o pouco conhecido “Entre o Amor e a Morte” / ”A Walk Between Love and Death” onde encontrámos pela primeira vez a Anjelica Huston e como a literatura andou quase sempre de mãos dadas com cineasta, revejam-se por favor essas duas obras-primas cinematográficas que são: “A Noite da Iguana”/”The Night of Iguana” segundo a obra de Tennesse Williams, com uma Ava Gardner selvagem e sensual, tentação e amparo de um padre cujas convicções religiosas há muito andam perdidas no purgatório humano que é a vida na terra, padre esse interpretado à flor da pele por um Richard Burton, no seu melhor, lembram-se da tentação que o persegue sobre a forma de “Lolita” durante a viagem?


Já “Reflexos Num Olho Dourado” / ”Reflection in Golden Eye” é uma daquelas novelas da Carson “Coração Caçador Solitário”, que nos invade a alma com enigmas que nos saltam perante o olhar ao depararmos com uma arma que dispara, por razões não de ódio, mas sim de amores subterrâneos, escondidos no lado mais escuro do coração, que o digam Marlon Brando ou Elizabeth Taylor, nessa célebre sequência em que a vimos subindo a escada da sua casa no aquartelamento, vestida como veio ao mundo, perante o olhar frio e indiferente do marido.


Há sempre depois o estatuto de actor em John Huston, falarei apenas de uma aparição/cameo e uma interpretação memorável e “arriscada”. A aparição é nessa obra que também dirigiu “O Tesouro da Sierra Madre”, na figura do americano que deambula pela cidade e a quem Humphrey Bogart pede uns “trocos”, imponente tanto na figura como na voz. Já a interpretação “arriscada” é nesse testamento final do “film noir” realizado por Roman Polanski, intitulado “Chinatown”, o final da película é memorável e “chocante”, por aquilo que possui no seu interior, já que estávamos em Chinatown e pouco mais havia a fazer, como diria o inspector da polícia, para um Jack Nicholson, derrotado.


Parece que tenho, na verdade, muitos filmes favoritos de John Huston para adquirir para a minha dvdteca, mas ainda me falta falar dessa comédia negra, profundamente esquecida por quase todos e que se chama “A Honra dos Padrinhos” / ”Prizzi’s Honor”. O trio composto por Jack Nicholson, Kathleen Turner e Anjelica Huston é na verdade de primeira “água”, depois se Jack Nicholson está igual a si próprio, já Kathleen Turner respira sensualidade por todos os poros, ela foi na realidade a última “femme fatal” no cinema do século xx, não só por essas “Noites Escaldantes” / “Body Heat”, “proporcionadas” ao William Hurt e a todos nós que vimos o filme de Lawrence Kasdan de olhos bem abertos. Depois temos a Anjelica Huston que não desiste dos seus intentos, “acabar com a concorrência e sacar o Jack só para ela”. No filme conseguiu os seus objectivos, já na vida real acabou por perde-lo, quando ele participou em “A Difícil Arte de Amarr / “Heartburn”” ao lado da Meryl Streep, mas regressemos então à estrada que nos conduz até “A Honra dos Padrinhos”.


Este filme de John Huston relata a história dos Prizzi e dos seus códigos. Estamos perante a Máfia, como Instituição familiar, com os seus Padrinhos no centro da película, mas o cineasta introduz um humor negro que nos envolve, obrigando-nos a sorrir em diversas situações, até que o drama se instala, as sequências com o avião são de antologia.


Charley Partanna (Jack Nicholson) é o futuro Padrinho, Maerose Prizzi (Anjelica Huston) que não olha a meios para recuperar o seu amor perdido e Irene Walker (Kathleen Turner), o tal agente muito especial, formam um belo triângulo fatal, até que os negócios do clã Prizzi os separam mortalmente, oferecendo-nos John Huston um belo retrato de uma família siciliana “acima de qualquer suspeita”.


“A Honra dos Padrinhos” / “Prizzi’s Honor”, mais do que um excelente filme, é um daqueles divertimentos cinematográficos em que saímos maravilhados da sala escura, como se de uma hipnose se tratasse e depois de caminharmos, sozinhos ou acompanhados, como refere Rolland Barthes no seu conhecido texto “ao sair do cinema”, começamos lentamente a digerir o sonho que acabámos de viver. Uma película que merece ser revista, com urgência, para o sorriso poder nascer tranquilo no nosso rosto, nesta época conturbada em que vivemos.

Rui Luís Lima

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