domingo, 31 de março de 2024

François Truffaut - “A História de Adele H.” / “L’Histoire D’Adele H.”


François Truffaut
“A História de Adele H.” / “L’Histoire D’Adele H.”
(França - 1975) – (96 min. / Cor)
Isabelle Adjani, Bruce Robinson, Sylvia Marriott, Joseph Blatchley.

Ele ficava parado, completamente fascinado, a olhar os cartazes de cinema e aquelas fotografias, que se estendiam pelo hall de entrada e num impulso, tantas vezes repetido ao longo da infância, retirava a fotografia e fugia com os seus actores favoritos, corria pelas ruas, porque muitas vezes era seguido por alguém que gritava – "agarrem o miúdo!"... e assim continuou ao longo dos dias, das semanas e dos meses. Um dia resolveu roubar uma máquina de escrever, para criar o seu primeiro argumento, acabou no reformatório... o seu nome é François Truffaut.


Muito mais tarde começou a ir à Cinemateca, criada por Henri Langlois, mas as moedas eram muito poucas para poder ver todas as sessões de cinema e um dia o Bom Henri reparou nele e "adoptou-o". Ele foi um dos filhos da Cinemateca e aquele impulso para a escrita acabou por conduzi-lo a André Bazin, uma espécie de irmão mais velho, que todos respeitaram ao longo de uma vida, mesmo quando não concordavam com as suas "leituras cinematográficas". Assim nasceu um dos mais apaixonantes críticos de cinema dos "Cahiers du Cinema" e um dos fundadores da chamada "Nouvelle Vague".


Naqueles anos o cinema Quarteto era a minha catedral do cinema. Passava lá as tardes e depois as noites de fim-de-semana, por causa dos ciclos, mas naquele dia à tardinha, ao entrar, fiquei profundamente deslumbrado pela imagem de Isabelle Adjani. Sim, ia ver o filme do François Truffaut e nada sabia da película ou da história da filha de Victor Hugo e o "H" nada me dizia, até que as luzes se apagaram, os "trailers" terminaram e o filme começou. Eu que ainda hoje sou um romântico e adoro o melodrama no cinema, ali fiquei colado à cadeira a conhecer a louca paixão de Adéle Hugo pelo Tenente Pinssen.


Adéle abandona os pais que vivem no exílio e segue para Halifax, ali tudo faz para recuperar o seu amor, nunca olhando a meios para o reconquistar, no entanto esse desejo não será concretizado e apesar de todos os cenários mágicos criados na sua mente, o seu destino será trágico, terminando a andar como uma mendiga nas ruas de Barbados, em busca do sonho inalcançável, até que alguém repara nela, a recolhe e a alimenta, conseguindo o seu regresso a casa do Grande Escritor. Ali terminou os seus dias, sempre a escrever e François Truffaut oferece-nos desta forma, numa realização em que o habitual plano sequência se impõe, uma das suas melhores películas de sempre.


Isabelle Adjani, nesse ano de 1975, foi nomeada para o Oscar de melhor actriz. Hoje é uma das Grandes Senhoras do Cinema Francês. Mais tarde, em "Camille Claudel", interpretou outra personagem consumida pela paixão. Neste caso o cavalheiro era Auguste Rodin, mas François Truffaut já não estava por detrás da câmara (nem iria fazer uma pequena aparição, citando o seu mestre bem amado Alfred Hitchcock, como sucedia em "Adéle H.") e o filme, revelou-nos, caso fosse preciso, a força da arte desta actriz, que mais uma vez nos oferece uma soberba interpretação, embora não atinga esse amor louco que habitava a sua inesquecível interpretação em "Adéle H.".


Redescobrir esta película é entrar no interior do universo romântico, amando os pequenos gestos do desejo, numa paixão assombrosa pelo cinema e isso só é possível graças a esse nome incontornável chamado François Truffaut.

Rui Luís Lima

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