quinta-feira, 2 de maio de 2024

Neil LaBute - “Amigos e Vizinhos” / “Your Friends & Neighbors”


Neil LaBute
“Amigos e Vizinhos” / “Your Friends & Neighbors”
(EUA – 1998) – (100 min. / Cor)
Ben Stiller, Amy Brenneman, Aaron Eckhart,
Catherine Keener, Jason Patric, Nastassja Kinski.

“Amigos e Vizinhos” é uma verdadeira pedrada no charco no interior do cinema Americano. E dizemos isso porque Neil Labute, a quem alguns já chamaram o novo Woody Allen, oferece-nos neste filme um retrato das relações humanas que nos deixa a todos perfeitamente perplexos, pela simples razão de sabermos que muitas vezes é assim que elas se processam, embora nunca ninguém o reconheça. E quanto a essa comparação com Woody Allen, não estamos propriamente de acordo; pensamos antes que o seu cinema se aproxima muito mais do universo desse génio chamado David Mamet. Tal como Mamet, Neil Labute é oriundo do teatro, passando para o cinema peças de que foi autor e encenador, como sucedeu com “The Shape of Things” em que os intérpretes da peça seriam os mesmos do filme.


A aventura de Neil Labute na Sétima Arte começou quando “In the Company of Men” foi o filme sensação do Festival de Sundance em 1997, seguindo-se logo no ano seguinte este “Amigos e Vizinhos”.

O cinema de Labute é frontal e nunca cruel, porque ele funciona como um espelho do quotidiano e das relações humanas, essa mesmas relações que surgem muitas vezes suavizadas à superfície, mas que por vezes são bem brutais no interior desses lares por onde passamos tantas vezes, com as suas fachadas a irradiarem uma falsa felicidade.


“Your Friends & Neighbors” é uma obra que desde já não se recomenda a essas “pequenas sensibilidades”, que se escandalizam com o calão no interior do quotidiano, embora o pratiquem através da forma como agem no seu dia-a-dia, nesses pequenos gestos nunca fortuitos onde o cinismo impera, sempre com um sorriso nos lábios.

Por aqui vamos conhecer um grupo de amigos e vizinhos cujas vidas irão ser profundamente alteradas, porque nem sempre as relações humanas são aquilo que aparentam, nem sempre os casais com quem convivemos reflectem nos jantares em grupo a célebre verdade dos factos das suas tristes vidas.


E será assim que, logo no início, iremos perceber que a vida de Jerry (Ben Stiller) e Terri (Catherine Keener, mais uma vez surpreendente) é um profundo desastre na cama, ele não se cala por um minuto sequer e ela só pretende um pouco de silêncio, para poder usufruir um pouco do prazer de fazer amor. Já no território íntimo de Barry (Aaron Eckhart, actor convocado já por cinco vezes por Neil Labute para protagonista dos seus filmes) e Mary (Amy Brenneman) as coisas também não são as melhores, devido ao egocentrismo dele.

Por outro lado Cary (Jason Patric, muito elogiado pela sua interpretação) possui um ressentimento profundo com as mulheres, tratando-as como simples objectos de prazer, para depois as transformar no seu ódio de estimação.


Ao assistirmos ao desenvolvimento destas vidas, iremos descobrir as inevitáveis traições entre “amigos”, ao mesmo tempo que Neil Labute nos oferece aqueles momentos preciosos em que eles estão todos juntos a falar delas, e elas também todas juntas a falar deles, o que acaba sempre, como todos sabemos, por levar àquelas revelações causadoras de profundas tempestades entre os casais, muitas vezes provocando o naufrágio do doce lar que pensam habitar. Embora por vezes haja alguns que conseguem nadar para uma ilha que pensavam deserta e encontrem o amor, em territórios até então inexplorados, como irá suceder com Terri (Catherine Keener) ao conhecer Cheri (Nastassja Kinski), a assistente do célebre artista que expõe na galeria, ou será melhor dizermos a secretária…


“Amigos e Vizinhos” / “Your Friends & Neighbors” oferece-nos um relato das relações humanas neste mundo em que vivemos, que nos fez recordar essa obra-prima de Woody Allen intitulada “Maridos e Mulheres” / “Husbands and Wives”, mas para além da temática, que é na verdade idêntica, o filme de Neil Labute é muito mais ácido e frio, mas nunca cruel, mesmo quando vimos no final quem é a pessoa que se encontra com Cary (Jason Patric) na cama. Percebemos então que ela está ali de livre vontade, numa tentativa de sobreviver e aprender a amar neste perigoso mundo, em que as relações humanas são cada vez mais cínicas.

É impossível ficarmos indiferentes perante o cinema de Neil Labute, um autor no verdadeiro sentido da palavra.

Rui Luís Lima

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