quinta-feira, 2 de maio de 2024

Lesli Linka Glatter - “A Proposta” / “The Proposition”


Lesli Linka Glatter
“A Proposta” / “The Proposition”
(EUA – 1998) – (110 min. / Cor)
Kenneth Branagh, Madeleine Stowe, William Hurt,
Blythe Danner, Robert Loggia, Neil Patrick Harris.

No início dos anos sessenta, no interior do cinema Americano assistimos ao final da época de ouro do sistema dos Estúdios, fruto em parte desse desastre financeiro chamado “Cleópatra”, mas também da importância que a caixa que mudou o mundo, conhecida como televisão, começou a ter no quotidiano das pessoas. E por estas duas razões o cinema americano, que sempre teve pernas para andar, renovou-se na área da produção e dos cineastas, recorde-se que os grandes cineastas clássicos terminaram as suas carreiras nesta época, surgindo então uma nova vaga de realizadores, oriundos da televisão e, curiosamente, ao longo dos anos vamos encontrar essa onda gigantesca de realizadores, que farão a sua transição do pequeno para o grande écran, uns com enorme sucesso outros nem por isso.


Lesli Linke Glatter é uma realizadora que se iniciou na televisão com enorme sucesso, mantendo-se ainda por lá, demonstrando as suas qualidades e quando olhamos para algumas das séries que tem dirigido ao longo dos anos fica tudo dito. Mas nada melhor do que deixar alguns títulos onde participou: “Amazing Stories”, produzida por Steven Spielberg, “Twin Peaks”, uma das obras-primas de David Lynch (realizou quatro episódios), “Law & Order”, “NYPD Blue”, “Grey’s Anatomy”, “The Closer” e “ER”, só para referirmos alguns dos seus trabalhos. Mas, em meados dos anos noventa (1995/1998), Lesli Linke Glatter tentou dar o salto para o grande écran, primeiro com o chamado filme de mulheres “Now and Then” / “Amigas Para Sempre”, com um elenco predominantemente feminino e em 1998 com este “The Proposition” / “A Proposta”, contando no elenco com um trio de actores que nunca nos desiludiu: Kenneth Branagh, Madeleine Stowe e William Hurt.


Kenneth Branagh é um actor/cineasta que se tornou conhecido de todos através da sua interpretação/realização de “Henry V” / “Henrique V”, que deixou o mundo cinéfilo perfeitamente deslumbrado, mas a sua carreira entre o velho e o novo mundo acabaria por ser feita de sobressaltos, assim como a sua obra de cineasta. Onde se destacam os filmes “Peter’s Friend” / “Os Maigos de Peter” uma versão “british” dos “Amigos de Alex”, “Dead Again” / “Viver de Novo”, uma tentativa falhada de navegar no universo hitchcockiano ou as suas adaptações shakespearianas, por sinal bem sucedidas de “Muito Barulho por Nada” / “Much Ado About Nothing” e “Hamlet”, onde nos era revelado o talento de Kate Winslet.

Madeleine Stowe tem sido, ao longo de décadas, sempre uma excelente actriz (de uma beleza profunda), embora esse grande sucesso tão desejado por ela nunca tenha sido conquistado, infelizmente, aliás no ano em que participou em “A Proposta” ela iria ser uma das personagens desse espantoso filme “em mosaicos”, intitulado “Playing by Heart” / “Entre Estranhos e Amantes”, ao lado de Sean Connery e Gena Rowlands, entre outros. Dedica-se nestes últimos anos ao trabalho para a televisão, tele-filmes e séries.


William Hurt é um daqueles actores de que todos conhecem a sua arte, cuja apresentação não é necessária, embora nunca seja demais referir que ele continua a trabalhar no cinema a todo o vapor, participando numa média de três filmes por ano. Ora são estes três actores que irão dar rosto aos protagonistas de “A Proposta”, uma obra dramática passada em 1935 na cidade de Boston.

Estamos em plena era Rosevelt e Arthur Barret (William Hurt), um distinto advogado saído de Harvard, é um dos seus proeminentes conselheiros do Presidente, casado com a escritora Eleanor Barret (Madeleine Stowe) que produz obras de sucesso, onde o desejo pela emancipação feminina vive em cada página. Mas como nunca há “bela sem senão”, o casal não tem filhos, porque Arthur é estéril, no entanto a necessidade de um herdeiro é um assunto de primordial importância para esta poderosa família de Boston. Por essa razão ambos decidem contratar os serviços de um jovem licenciado em direito, Roger Martin (Neil Patrick Harris), para conceber o tão desejado fruto.


Olhados como exemplo de sucesso pela igreja local, os Barret entram assim no território do pecado, porém nessa noite programada pelo relógio biológico de Eleanor nada acontece, sendo necessário contratar de novo os “serviços” do jovem Roger Martin, que entretanto se vai apaixonar por ela e, ao saber que Eleanor foi bem sucedida na gravidez, parte para a chantagem, ameaçando reclamar o filho como seu.

Durante este período irá chegar à igreja de Boston o padre Michael McKinnan (Kenneth Branagh), oriundo de Inglaterra, que tudo fará para evitar os convites dos Barret para jantar na mansão, até chegar esse dia em que saberemos que ele é filho do irmão mais velho de Arthur Barret. E aqui também descobrimos que o seu pai é um aliado industrial do nacional-socialismo que então vigora na Alemanha e que teve em Inglaterra, como se sabe hoje, inúmeros simpatizantes, basta recordarmos o Lord Darlington (James Fox) de “Os Despojos dos Dias” de James Ivory e ficamos perfeitamente situados na realidade histórica.


A alegria da gravidez de Eleanor Barret irá transformar-se em tragédia quando ela aborta e, nesse momento capital do filme, o padre McKinnan põe de lado a amargura familiar que habita na sua alma e oferece o conforto espiritual à esposa do seu tio. Mas para complicar ainda mais este melodrama, o jovem Roger Martin aparece morto, sem identificação e será precisamente Eleanor a revelar a sua identidade, passando a olhar o marido como o assassino do amante contratado. McKinnan acabará por se envolver de tal forma na dor sentida por Eleanor, que acabará por se apaixonar por ela perdidamente, numa relação proibida aos olhos de Deus e que dará os seus frutos.

“A Proposta” surge assim como um filme onde o vigor do melodrama se encontra bem presente, embora o argumento por vezes se encontre com falhas, já que a história nos é narrada em “flashback”, embora a reconstituição da época está perfeita, enquanto a interpretação/direcção de actores surge em muito boa forma, ou eles não se chamassem Kenneth Branagh, Madeleine Stowe e William Hurt. Por outro lado, a realização de Lesli Linka Glatter apresenta-se correcta, embora nunca nasça esse golpe de asa que faça o filme sair da mediania de certa produção norte-americana.


Numa época em que, cada vez mais, os filmes oriundos do continente americano, se apresentam completamente consumidos pelos efeitos especiais, será interessante descobrir esta obra, acima de tudo pelo trabalho dos actores, mas também para reflectir neste modelo de produção.

Rui Luís Lima

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