terça-feira, 7 de maio de 2024

Abbas Kiarostami - "Sleepers"


Abbas Kiarostami
"Sleepers"
(Irão - 2001) - (98 min. / Cor)

"Sleepers" é uma instalação vídeo que vi na sala 6x2 da Cinemateca Portuguesa e que nos traz à memória a película de Andy Wahrol "Sleep" que retratava a preto e branco e sem som o sono de John Giorno, estávamos então em 1963 e a sua duração é de seis horas, tendo sido projectada por diversas vezes na célebre Cinemateca de Jonas Mekas. Mas a instalação de Abbas Kiarostami, retratando o sono de um casal durante o período de 98 minutos, surge também na fronteira da chamada videoarte, e o próprio Kiarostami refere que "Sleepers é uma ocasião, um presente que a câmara digital me deu para olhar. Sem o digital, este trabalho teria sido impossível".


O espaço de divulgação destas obras, até à presente data, tem estado confinado em especial ao território de galerias e museus dada a sua ligação com as artes plásticas, embora cineastas como Peter Greenaway tenham uma prática interdisciplinar ou casos como Bill Viola, vejam as suas obras situadas na área da videoarte.

"Sleepers" de Abbas Kiarostami é de uma contemporaneidade perturbante, devido ao espaço criado para a sua divulgação: o projector está colocado no tecto e no chão surge, devidamente enquadrada, uma cama com um casal mergulhado no sono, ao mesmo tempo que o branco dos lençóis, almofadas e roupa interior do casal nos transmite a sua intimidade, violada pelo nosso olhar.


Por vezes até sentimos a aproximação de uma estética publicitária (Calvin Klein), mas é no tratamento da banda sonora, provocado por um lado pelo movimento dos corpos nos lençóis e por outro lado na vida que desperta no exterior, que nos sentimos no papel de "voyeur", olhando a beleza perturbadora das imagens.


Esta instalação de Abbas Kiarostami, apresentado pela primeira vez na 49ª Bienal de Veneza (2001) e na Cinemateca Portuguesa (sala 6x2) no ano de 2004, contando já com a participação do produtor Marin Karmitz (em tempos longínquos, também ele realizador), possui uma atracção fatal, que nos leva a desejar a sua comercialização através do suporte DVD, porque cada gesto dos protagonistas surge como extensão da nossa própria intimidade nesse refúgio chamado sono, do qual despertamos todas as manhãs, até que a cor da vida se reencontre numa outra viagem.


Numa exposição levada a cabo pelo Centro Georges Pompidou, em Paris, intitulada "Correspondências" e criada por Abbas Kiarostami e Victor Erice, dois cineastas de pólos opostos, geograficamente falando, mas habitando o mesmo universo, fomos reencontrar esta instalação do cineasta iraniano e ao confrontar a obra de ambos, somos obrigados a concluir que habitam o mesmo território: o marmeleiro de Victor Erice habita no interior da floresta de Abbas Kiarostami e "O Segredo da Colmeia" do cineasta espanhol oferece-nos os intérpretes de “Onde Fica a Casa do Meu Amigo", depois temos sempre essa homenagem ao cineasta japonês Yasujiro Ozu que poderia ser assinada por ambos.

Rui Luís Lima

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