domingo, 21 de abril de 2024

Martin Scorsese - “O Cabo do Medo” / “Cape Fear”


Martin Scorsese
“O Cabo do Medo” / “Cape Fear”
(EUA - 1991) – (125 min. / Cor)
Robert de Niro, Nick Nolte, Jessica Lange,Juliette Lewis,
Joe Don Baker, Robert Mitchum, Gregory Peck.

“Cape Fear” antes de mais é um “remake” do filme do mesmo nome realizado por J. Lee Thompson, com Gregory Peck e Robert Mitchum nos protagonistas, mais tarde interpretados na obra de Martin Scorsese por Nick Nolte e Robert de Niro, respectivamente, sendo aliás curioso o facto de Scorsese ter convocado os dois actores da película original para pequenos papéis, homenageando-os desta forma neste seu primeiro filme associado a dois grandes Estúdios, a Universal e a Amblim de Steven Spielberg. Por outro lado Martin Scorsese faz algumas alterações no argumento original, tornando o vilão Max Cody num violador psicopata.


Max Cody (Robert de Niro) foi condenado à prisão devido ao seu advogado de defesa Sam Bowden (Nick Nolte) não ter mexido um dedo em sua defesa, após lhe terem chegado provas incontestáveis da culpa de Max, esquecendo-se por completo do código deontológico da ordem dos advogados, fechando os olhos às alíneas que possibilitavam o surgir das palavras “not guilty” na boca dos jurados. Muitos anos depois, 14 anos mais precisamente, Max Cody sai da prisão e já não é o homem iletrado que estivera sentado no banco dos réus, já que durante esses anos passados no cárcere estudou, tanto direito como a Bíblia, tanto psicologia como a forma de construir a sua vingança, jurando nunca mais dar descanso a Sam Bowden. E assim se dá a conhecer, durante umas festas na cidade, ao advogado e à sua família, mostrando que ele estava ali e a vingança iria ser terrível.


Leigh Bowden (uma excelente Jessica Lange) é uma daquelas esposas sempre em luta com as infidelidades do marido, especialmente com a recente Lori Davis (Ileana Douglas), sua “partenaire” nos jogos sexuais, sendo esse mesmo desejo que irá ser fatal para Lori quando cai nos braços de Max, a forma como Martin Scorsese nos dá a ver a cena em toda a sua brutalidade é apenas um começo do que se irá desenrolar ao longo do filme. Depois temos a impotência de Sam Bowden (Nick Nolte) em lidar com a situação, a lei não o pode ajudar. Recorre então a um detective particular (Joe Don Baker) que contrata a escória da cidade para limpar o "sebo" a Max Cody, mas ele tinha aprendido na prisão a enfrentar situações dessas e segue em frente na sua vingança, ao ponto de se fazer encontrado por diversas vezes com Danielle (Juliette Lewis), a filha dos Bowen, em pleno despertar sexual, entabulando com ela um perfeito jogo de sedução, arrepiante para o espectador.


Curiosamente, a forma como Martin Scorsese filma “O Cabo do Medo” / “Cape Fear” e o uso dado à cor e aos planos evoca profundamente o Alfred Hitchcock dos anos cinquenta, repare-se como o azul e o vermelho são as cores predominantes, por outro lado a forma como ele nos oferece a angústia da família Bowden, refugiada no iate à espera do ataque de Max Cody, consegue criar um “suspense” digno de figurar na história do cinema. O espectador está de tal forma agarrado à cadeira que quase não respira, toda a sua atenção está virada para o que se passa no interior do iate e nasce então a violência no seu estado mais puro e sangrento. Se muitos ficaram surpreendidos com a violência de “Gangs of New York” foi só porque não se recordavam ou não conheciam “Cape Fear”.


Mais uma vez a presença de Robert de Niro na obra de Martin Scorsese é fundamental, não conseguimos vislumbrar outro actor para o papel, ele vai buscar toda a sua energia a “Means Street” e a “Taxi Driver”, repare-se nesse momento em que ele faz flexões com o corpo cheio de tatuagens e frases Bíblicas escritas na pele e confronte-se com os preparativos de Travis em “Taxi Driver” antes da matança que o irá tornar num "herói".


Como ninguém Robert de Niro, actor herdeiro do método, aparece aqui em perfeito duelo com a figura interpretada por Nick Nolte, um homem carregando no corpo e na alma o peso da culpa, do adultério e até a (in) justiça, ele é o espelho do ser humano caído no abismo, sem possibilidades de redenção.


“O Cabo do Medo” / "Cape Fear" surge assim como uma daquelas obras de Martin Scorsese em que a violência e o terror nos deixam encostados à parede, com o medo a atravessar-nos o corpo, depois só quando as palavras “The End” surgem no écran é que voltamos a respirar. “Cape Fear” é uma obra extraordinária, realizada por um dos maiores cineastas americanos vivos e interpretada por um grupo de actores acima de qualquer suspeita, recordar este filme é um dever de qualquer cinéfilo.

Rui Luís Lima

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