terça-feira, 2 de abril de 2024

Edgar Reitz - “A Hora Zero” / “Stunde Null”


Edgar Reitz
“A Hora Zero” / “Stunde Null”
(Alemanha – 1976) – (112 min. - P/B)
Kai Taschner, Anette Junger, Herbert Weissbach, Klaud Dienig.

Quando se escreve sobre o chamado Novo Cinema Alemão, surgido internacionalmente em 1970, embora tenha nascido em 1962 através do célebre Manifesto de Oberhausen, de imediato a memória começa a pensar em nomes como Rainer Werner Fassbinder, Wim Wenders, Volker Schlondorff, Werner Herzog ou Robert Van Ackeren, só para falar naqueles cuja visibilidade foi grande no circuito comercial em Portugal nos anos setenta, do século xx. Depois haverá sempre Thome, Syberberg, Schroeter e Straub que tiveram no circuito comercial uma visibilidade muito menor. Isto tudo para dizer que o cineasta de hoje é Edgar Reitz, um dos mais importantes realizadores Alemães e cuja obra permanece desconhecida entre nós, apesar de o seu opus-magnum “Heimat” ter tido exibição no 2º Canal da RTP, recorde-se que “Heimat – Eine Deutsch Chronik” relatava-nos a história da Alemanha, vista através de uma aldeia de 1919 a 1982, são 11 episódios fantásticos em que esse microcosmos é o retrato de uma nação.


Esta obra de Edgar Reitz foi um olhar profundo sobre a memória recente de uma nação, tendo ele continuado esta série em 1993 e 2004. Mas falemos deste cineasta que já experimentou todos os suportes e géneros na sua carreira cinematográfica. Edgar Reitz nasceu em Morbech, a 1 de Novembro de 1932, estudou literatura e teatro e andou pelo jornalismo nos anos cinquenta. Três anos depois começou a realizar curtas-metragens, mais tarde iria ficar fascinado pelo cinema experimental (de que Werner Nekes foi o expoente máximo na Alemanha), tendo-se iniciado na longa-metragem de ficção em 1966. Entretanto, no Manifesto de Oberhausen que iria abrir novas portas ao cinema alemão, foi ele com Alexander Kluge o par impulsionador do Manifesto, subscrito por muitos outros. Porém, o cinema de Edgar Reitz é profundamente Alemão, mergulhando sempre nas suas raízes, possuindo um olhar profundamente crítico sobre a história do seu país e, talvez por isso mesmo, o seu nome nunca tenha ultrapassado as fronteiras, a não ser no caso concreto já referido de “Heimat” e da obra colectiva “O Outono na Alemanha” / “Deutschland in Herbst”, realizada após a morte/suicídio dos membros do grupo de extrema-esquerda Baader-Meinholf.


“A Hora Zero” / “Stunde Null”, que nos ocupa hoje, foi realizada em 1976 e relata-nos uma história passada numa pequena aldeia, perto de Leipzig, cuja acção decorre logo após o final da 2ª Grande Guerra. Como todos sabemos, durante o ataque terrestre à capital do Reich, as tropas americanas deixaram avançar os russos, para não perderem homens no combate e depois trataram de negociar à mesa a divisão da Alemanha. Ora aquela pequena aldeia perdida na Saxónia fora libertada pelas tropas americanas, mas após o Tratado de Postdam iria passar para as mãos dos russos, que se preparavam para criar a RDA, como todos sabemos.


A acção de “A Hora Zero” decorre nessa semana em que partem uns “libertadores” para chegarem outros “libertadores” e o que iremos assistir é à alteração do comportamento da população da aldeia: se umas sentem o terror a chegar (as mulheres), já o ex-dirigente do Estado cria de imediato um comité antifascista, substituindo as bandeirinhas nazis por bandeiras vermelhas, referindo a quem o critica que Estaline é amigo dos trabalhadores, depois temos outros habitantes que aguardam tranquilamente o passar dos dias, porque o destino tomou conta deles, fugir é decididamente impossível.


No meio destes habitantes vagueia um adolescente envergando um blusão americano e usando um velho sidecar da Wermacht, ninguém sabe as razões que o levaram ali, mas a pouco e pouco ficamos a saber que está à procura de um tesouro enterrado no cemitério, por nazis em fuga. Ele será o rosto da nova Alemanha, com um desejo permanente, o de fugir para a América. É ele que diz à jovem que o irá acompanhar na fuga para o lado americano que “há tantos alemães na América que em tempos até se pensou que a língua oficial iria ser o alemão”. Estamos assim perante um sonhador, igual ao de Elia Kazan de “América, América”. Porém, no interior deste quotidiano em que este pequeno mundo se encontra parado, esperando pela chegada da Hora Zero, uma criança, símbolo do futuro, observa o comportamento dos adultos do cimo da sua bicicleta.


Ora será ela a primeira a ser despojada aquando da chegada das tropas russas, que de imediato lhe confiscam a bicicleta, depois será a vez da mota e quando entram no celeiro em busca de mulheres, o jovem sonhador Joschi (Kai Taschner) puxa de uma pistola e dispara para os impedir de chegar perto de Isa (Anette Junger), a rapariga que ele começara a amar e com quem tinha planeado a fuga. Todos são de imediato encostados à parede para serem fuzilados, mas a intervenção de um oficial consegue impedir o fuzilamento. No meio deste grupo é o velho ferroviário, combatente de uma outra guerra, a memória lúcida da nação que irá nascer.


Joschi e Isa acabam por encontrar o tesouro no cemitério e conseguem fugir através da floresta para o lado americano, mas quando chegam à estrada e são alcançados por um jipe da polícia-militar americana. Ele é de imediato despojado do seu blusão, sendo acusado de o ter roubado e quando eles encontram as jóias que se encontravam enterradas, ficam com elas e abandonam-no na estrada, seguindo o jipe pela estrada fora rumo a uma futura Alemanha Ocidental. No seu interior os quatro militares e a rapariga ainda desconhecem o futuro que lhes estará reservado. A jovem irá ser uma das muitas raparigas alemãs que irão vaguear pelas cidades em destroços ou talvez tenha melhor sorte e um GI a leve para a América, quanto a Joschi ele estava na terra de ninguém, abandonado para sempre pelo seu sonho americano, restava-lhe optar por um dos lados se ainda fosse a tempo, porque os ponteiros da Hora Zero já tinham iniciado a sua caminhada.


“A Hora Zero” / “Stunde Null”, embora filmado inicialmente para a televisão (a estética é bem patente) teve difusão nas salas de cinema, em Portugal passou no circuito paralelo e todos aqueles que o viram, ficaram como nós, profundamente fascinados pelo trabalho de Edgar Reitz. Esperemos que um dia destes “Heimat” renasça na nossa televisão, ou tenha edição nacional em dvd (1) para então se realizar a descoberta de um cineasta.


(1) - “Heimat” está disponível em dvd (zona 1) no mercado americano (1ª e 2ª séries).

Rui Luís Lima

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