quinta-feira, 11 de abril de 2024

Dusan Makavejev - “O Rapaz da Coca-Cola” / “The Coca-Cola Kid”


Dusan Makavejev
“O Rapaz da Coca-Cola” / “The Coca-Cola Kid”
(Austrália - 1985) – (98 min. / Cor)
Eric Roberts, Greta Scacchi, Bill Kerr, Chris Haywood.

Jean-Luc Godard fala de uma imagem justa, ou justamente uma imagem e quando olhamos uma imagem, seja ela fixa/fotografia ou em movimento/cinema/vídeo, muitas vezes não sabemos as consequências futuras contidas no seu interior e uma das imagens que me ficou na memória, imagem essa em movimento, foi uma reunião de líderes, na então República Federativa da Jugoslava, eles eram apenas meia-dúzia, mas "ofereceram" a morte a milhares e destruíram uma nação.


O drama Jugoslavo nunca o esquecerei, porque durante anos o cinema Jugoslavo foi chegando a Portugal nas suas mais diversas formas: o cinema de "libertação" (mas já longe das teses de Jdanov do realismo socialista), dando lugar ao cinema do quotidiano e às suas pequenas histórias de amor e neste panorama um nome se destacava era Dusan Makavejev.


Hoje em dia todos conhecemos a obra de Emir Kusturica que obteve visibilidade internacional com "Recordam-se de Dolly Bell" / "Sjecas li se, Dolly Bell e "O Papa Foi em Viagem de Negócios" / "Otac na sluzbenon putu", mais tarde seria com o seu retrato pungente de "Underground" visão de uma nação/federação em ruínas que todos lhe fixaram o nome para sempre, apesar de anteriormente ter realizado o maravilhoso "Tempo de Ciganos" / "Dom za vesange" e a sua obra americana "Arizona Dream" com um quarteto de luxo (Johnny Depp, Jerry Lewis, Faye Dunaway, Vincent Gallo).


Todos aqueles que estiveram nos encontros de cinema de Avanca de 2002 (workshop) recordam-se do Dusan Makavejev; falemos um pouco dele, antes de beber a nossa Coca-Cola com o Eric Roberts.
“Um Homem não é um Pássaro” / ”Covek Nijetica” foi a obra que o projectou além fronteiras (1) e foi com “A Tragédia de uma Telefonista” / ”Ljubavni slucaj ili tragedija sluzbenice P.T.T.”, que deu à costa portuguesa, aportando no cinema Quarteto, então um dos refúgios da cinéfilia, ficando o seu nome gravado na mente de todos os que viram o filme.


Nessa época de libertações das mentes e corpos, Wilhelm Reich era um dos nomes sonantes e o seu livro “Escuta Zé-ninguém” (Ed. D. Quixote) de leitura obrigatória, sendo com uma certa naturalidade que o libertário Dusan Makavejev surgisse com “W.R.: Os Mistérios do Organismo” / ”W.R.: the Mysteries of the Organism”, “inaugurando”, de certa forma, um "novo género" denominado a "ficção documental".


Como era de se esperar, tendo em conta o seu olhar sobre a sociedade e as ideologias, Dusan Makavejev acabou por deixar o seu país, para realizar no Canadá “Um Filme Doce” / ”Sweet Movie” (2), contando no elenco com a bela Carole Laure (3) e Pierre Clementi, onde se interrogava as ideologias, fossem elas o socialismo ou o capitalismo, usando o humor como arma, já que nele encontramos o marinheiro Potemkine e o seu rato de estimação Nikita ou o Mr. Kapital.


Tendo em conta o caminho escolhido por Makavejev, não espantou ninguém que tenha sido convidado a participar num dos segmentos de “Wet Dreams”/”Sonhos Húmidos”, uma co-produção de 1975 holandesa/alemã , que se tornou um verdadeiro “cult-movie” e que possuía no seu interior um episódio famoso intitulado, "The Janitor" realizado e interpretado por Nicholas Ray (4), que desta forma renascia para o cinema.


Ao continuar na linha libertária, Dusan Makavejev realiza na Suécia “Montenegro ou Pérolas e Porcos” / ”Montenegro eller Paerlor och Svin” e convida o actor Bergmaniano, Erland Josephson para participar na película, o mesmo sucederia muitos anos mais tarde quando Andrei Tarkovski o convidou para protagonista da sua derradeira obra-prima "O Sacrifício" / "Offret". E o fim da estrada surgia no horizonte, a moda libertária, era chão que já tinha dado uvas e o seu humor ácido e erótico, necessitava de uma nova roupagem, onde as imagens e as palavras continuassem a possuir a mensagem do cineasta acerca das ideologias e do mundo em que vivemos, nascia assim “O Rapaz da Coca-Cola” / “The Coca-Cola Kid”.


O país escolhido foi a Austrália e os actores principais, Eric Roberts (irmão da Júlia Roberts, para quem não saiba) e Greta Scacchi. Um jovem quadro da Coca-Cola, Beker (Eric Roberts) chega à Austrália em “busca de problemas”, que inicialmente pareciam inexistentes para os responsáveis locais da famosa marca, mas após um daqueles estudos, verificou-se que o produto não penetrava numa pequena região, totalmente dominada pela firma concorrente “McDowell”.


A “luta” está aberta e Becker, um daqueles eficientes funcionários das Multinacionais, vai ganhar a “guerra”, encontrando no seu caminho a jovem Terri (Greta Scacchi), que irá alterar a sua forma de olhar o mundo que o rodeia.


Ao longo desta película descobrimos mais uma vez, o humor e a ironia tão característicos de Dusan Makavejev, de uma forma muito mais refinada e nunca é demais de destacar a interpretação da dupla constituída por Eric Roberts e Greta Scacchi, que hoje em dia oferecem o seu enorme talento em telefilmes de baixo orçamento, uma situação que atinge uma geração de actores e cineastas, a quem os Estúdios de Hollywood fechou as portas. Só para não ir mais longe, recordo que Peter Bogdanovich anda a realizar episódios de séries de televisão e o seu nome nem é creditado.

Ao rever este filme recentemente, confesso que me diverti tanto, como quando o vi pela primeira vez no cinema e fiquei com enorme vontade de rever a filmografia deste libertário chamado Dusan Makavejev, que nos dias de hoje é um perfeito estranho para as plateias de cinema.


(1) - Ainda estavam longe os dias de Emir Kusturica, cujo filme "O Papá foi em Viagem de Negócios" continua por descobrir.

(2) - Anteriormente tinha participado na feitura de “I Miss Sonia Henie”, filme de episódios no qual participaram, entre outros, Milos Forman, Paul Morrisey e Frederick Wiseman.

(3) - Carole Laure, esposa do cineasta canadiano Gilles Carle e ex-Miss Mundo, foi durante longos anos (década de 70) o rosto do Novo Cinema Canadiano (oriundo do Quebec), onde se destacou pela força que transmitia às personagens que interpretava, para além da sua beleza.

(4) - Nicholas Ray um dos "mavericks" do cinema que iria surgir em “O Amigo Americano” de Wim Wenders e que com Wim daria origem a essa obra testamento intitulada “Nick’s Movie”. Curiosamente “We Can’t Go Home” de Nick Ray,” last movie” na primeira pessoa, permanece uma película pouco visível.

Rui Luís Lima

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